por Carlos Leone
Vieira de Almeida

Francisco Lopes Vieira de Almeida (n. 9/8/1888, Castelo Branco – m. 20/1/1962, Cascais).

Figura filosófica e cultural de grande relevo na sociedade portuguesa, e não só lisboeta, durante a primeira metade do século XX, aproximadamente, Vieira de Almeida foi, enquanto professor, autor e personalidade, um caso invulgar de rigor filosófico e atenção cívica que, embora hoje pouco lembrado, não pode ser esquecido quando se trabalha a história e a cultura portuguesas contemporâneas.

Licenciado e doutorado pela Faculdade de Letras de Lisboa em Filosofia, ingressou como docente na Universidade pelo grupo de História (em 1915). Em 1921 voltou à área de Filosofia onde ascende a catedrático em 1930, mantendo-se em actividade permanente até 1958. Apesar de entre a sua extensa bibliografia encontrarmos poesia, romance a e teatro, bem como traduções, é a sua actividade como professor e ensaísta na área de Filosofia e também de História que o distingue. É mesmo possível afirmar que o seu foi um dos primeiros casos de articulação bem sucedida entre dois registos de crítica à sociedade portuguesa que marcam o século XX no seu conjunto: se, na primeira metade do século, é de um ideal de reformismo cívico que se faz o discurso crítico português, uma transição encetada ao longo das décadas de 1940 e 1950 leva a que na década de 1960 se assista a uma especialização disciplinar da análise social, fundada nos saberes emergentes das ciências sociais. Ora, Vieira de Almeida foi um percursor dessa especialização disciplinar, sendo um dos raros autores portugueses com trabalhos de relevo em Lógica (e na sua divulgação), mas nunca abdicando de um compromisso político explícito apesar dos dissabores que o regime lhe causou mesmo em idade avançada.

Monárquico, e próximo de autores como Pequito Rebelo e Hipólito Raposo nos alvores da I República, não demorou muito a cativar simpatia noutros quadrantes e não espanta, por isso, ver o seu nome entre os fundadores da breve (apenas dois números) Revista dos Homens Livres («livres das Finanças e livres dos Partidos»), projecto frentista contra a degeneração da República na década de 1920. Fracassada essa «frente», e implantada a ditadura que estará na base do Estado Novo, Vieira de Almeida encontra-se já próximo do grupo Seara Nova, com o qual mantêm contactos, através de Câmara Reys, mesmo depois de António Sérgio se afastar da revista. Já então uma figura intelectual de referência (o seu primeiro trabalho filosoficamente relevante data de 1922, A Impensabilidade da Negativa), sempre se manteve disponível para apoiar a oposição nos períodos de maior repressão, entre as décadas de 1930 e 1950. Mesmo Humberto Delgado, que na sua campanha de 1958 não escondia o seu desgosto com a «guerra dos papéis» daqueles já idosos vultos da I República (os «barbas»), não deixou de o apreciar em particular, pela sua independência, vivacidade e, provavelmente, percurso político pouco comum (no qual o próprio Delgado talvez se revisse, com outras matizes). Na ressaca dessa campanha e do seu desfecho, encontramos Vieira de Almeida entre os «quatro grandes» (expressão de Mário Soares no volume de homenagem a Vieira de Almeida  no centenário do seu nascimento, v. Referências bibliográficas) que se juntam a Delgado para convidar os socialistas Aneurin Bevan e Mendès-France para conferências em Portugal, em 1959. Impedidas as conferências, e presos os quatro notáveis (além de Vieira de Almeida, Jaime Cortesão, António Sérgio e Azevedo Gomes), o regime tentou voltar à normalidade. Não o conseguindo, não impediu no entanto Vieira de Almeida de morrer em casa, lúcido e comunicativo, estimado pelos mais variados sectores da vida intelectual portuguesa.

Além da Lógica moderna, matemática, que introduziu na Universidade de Lisboa com estudos originais sobre Boole, Russell e Tarski, e que divulgou em obras menos especializadas, a sua actividade como filósofo deu origem a trabalhos nas áreas de Estética, Epistemologia e História. Por isso não é de estranhar que nomes tão centrais na historiografia e ciências sociais portuguesas da segunda metade do século, como Jorge Borges de Macedo e Vitorino Magalhães Godinho (v. textos sobre ambos no CVC) tenham sido influenciados pelo seu magistério. Contudo como é ainda hoje comum em Portugal, não é possível falar-se de uma «escola», com discípulos inspirados pelo Mestre. No volume de homenagem já referido encontra-se sobre esta questão um debate com vários participantes, no qual destacamos as intervenções de Joel Serrão, Mário Sottomayor Cardia (v. texto no CVC) e Piteira Santos, onde impressões pessoais e análises competentes se reúnem de um modo muito invulgar na habitual dispersão do pensamento filosófico (e não só…) português – para glosarmos um dos títulos mais citados da bibliografia de Vieira de Almeida. Igualmente invulgar é o facto de a sua Obra Filosófica se encontrar publicada, reunida e apresentada em 3 volumes (v. Referências) por Joel Serrão e Rogério Fernandes.

Figura cativante e polémica, capaz de simultaneamente comandar o respeito intelectual de especialistas e chegar a públicos mais amplos, os estudos dedicados ao seu pensamento não são muitos. O mais recente que conhecemos é a dissertação de Mestrado de Graça Maria Dias Lopes intitulada O pensamento estético em Vieira de Almeida (Universidade do Minho, 1998). Um esquecimento tanto mais lamentável quanto a sua combinação de actividade cívica, pública, e diversidade intelectual, em particular científica, é rara. E particularmente valiosa para apreciar um processo de mudanças institucionais que foi decisivo na evolução da sociedade portuguesa ao longo do século XX.



Referências bibliográficas:

Calafate, P., dir., História do Pensamento Filosófico Português, (vol. V, tomo 2), editorial Caminho, Lisboa, 2000.

Gama Caeiro, F. da, «ALMEIDA (Francisco Lopes Vieira de)», in  VVAA, Logos – Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Editorial Verbo, Lisboa, São Paulo, 1989 (vol. 1: 177-180).

Nabais, Nuno, editor, Vieira de Almeida (1888-1988) – colóquio do centenário, ed. Fac. Letras de Lisboa/Colibri, Lisboa, 1991.

Vieira de Almeida, Obra Filosófica, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986-8 (organizada e apresentada por J. Serrão e R. Fernandes).

Adolfo Coelho
Alexandre Herculano
Almeida Garrett
Antero de Quental
António Nobre
Basílio Teles
Eça de Queirós
Gomes Leal
Jaime Batalha Reis
Lopes de Mendonça
Moniz Barreto
Oliveira Martins
Pinheiro Chagas
Rafael Bordalo Pinheiro
Rebello da Silva
Teófilo Braga
Abel Salazar
Adérito Sedas Nunes
Adolfo Casais Monteiro
Agostinho da Silva
Alexandre O'Neill
António Gedeão
Aquilino Ribeiro
Augusto Abelaira
Bento de Jesus Caraça
Bernardo Marques
Borges de Macedo
Carlos Ramos
David Mourão-Ferreira
Eugénio de Andrade
Fernando Gil
Fernando Lopes-Graça
Fernando Pessoa
Fidelino de Figueiredo
Florbela Espanca
Guilhermina Suggia
Helena Vaz da Silva
Hernâni Cidade
Irene Lisboa
Jacinto do Prado Coelho
Jaime Cortesão
João Gaspar Simões
Joaquim de Carvalho
Jorge de Sena
Jorge Peixinho
José Augusto Seabra
José Cardoso Pires
José Gomes Ferreira
José Rodrigues Miguéis
Leonardo Coimbra
Lindley Cintra
Luís Albuquerque
Luís de Freitas Branco
Manuel Antunes
Manuel Viegas Guerreiro
Maria Archer
Maria de Lourdes Belchior
Maria Lamas
Mário Botas
Mário Eloy
Mário Sottomayor Cardia
Miguel Torga
Orlando Ribeiro
Paulo Quintela
Raul Brandão
Raul Proença
Sílvio Lima
Sophia de Mello Breyner Andresen
Teixeira de Pascoaes
Vergílio Ferreira
Viana da Mota
Vieira da Silva
Vieira de Almeida
Vitorino Magalhães Godinho

© Instituto Camões, 2007