por Fernando J. B. Martinho

José Gomes Ferreira


José Gomes Ferreira (1900-1985) nasceu no Porto, em 1900. Publicou em 1918 e 1921, respectivamente, duas colectâneas poéticas, Lírios do Monte e Longe, que mais tarde retirou da sua bibliografia. Só em 1931, depois de ter exercido funções de Cônsul de Portugal em Kristiansund, na Noruega, encontra verdadeiramente a sua voz num poema, “Viver sempre também cansa”,  que dá a público na revista presença, nesse mesmo ano. Esse texto, em que Gomes Ferreira reconheceu, no relato que fez da sua aparição, em A Memória das Palavras, de 1965, o  seu autêntico nascimento como poeta, vem a abrir, dezassete anos depois, o volume com que, realmente, se estreia, Poesia – I. Entretanto, tinham saído, entre 1941 e 1944, os dez volumes da Col. Novo Cancioneiro, que constituíram a mais visível afirmação do neo-realismo poético, e na qual José Gomes Ferreira, apesar do convite que,  para o efeito, recebeu, não veio a figurar. É, no entanto, desses poetas, a alguns dos quais, a partir de certa altura, o ligam fortes laços de amizade, que se sentirá mais próximo, o que, juntamente com a óbvia orientação social da sua lírica, levou a que se enraizasse, na nossa tradição crítica moderna, a ideia de o situar no âmbito do neo-realismo. Mas tal enquadramento periodológico, embora não totalmente desadequado, tem que ter em conta um certo número de factores que aconselham a introdução de matizes nessa classificação. Em primeiro lugar, a influência que a obra de Raul Brandão teve no grupo de que fazia parte nos anos 20. No primeiro volume das Memórias, deixará registo do que para ele e para os seus companheiros terá significado o autor de Húmus: «Durante meia dúzia de anos, Raul Brandão foi, sem o saber, o mestre secreto da primeira fornada que, após a Revolução Formal do Futurismo, e embora concordante com todas as novidades do Orpheu e revistas subsequentes, se opôs por instinto ao seu conteúdo aristocrático, em busca aflita de outro Sinal.» Os anos passados na Noruega, e a leitura de autores como Ibsen e Knut Hamsun, não terão senão acentuado o pendor expressionista do seu imaginário já muito marcado por Brandão,  na origem, como se sabe, do que houve de larvar expressionismo, sem contacto real com o expressionismo literário alemão, em vários autores do nosso Segundo Modernismo. Depois, não deixe de se assinalar que o poema que atesta o seu verdadeiro nascimento como poeta veio a lume numa publicação, a presença, que, nos começos dos anos 30, era indubitavelmente o ponto de convergência de todos os que, em Portugal,  estavam empenhados em praticar e em impor uma ideia de arte moderna. De resto, todo o percurso de José Gomes Ferreira a partir do momento epifânico de “Viver sempre também cansa” se vai pautar pela “Revolução Formal” modernista, e não é possível entender a ampla e conturbada liberdade da sua escrita, o inusitado das suas imagens e da sua sucessão no poema ( «aos cachos», como deixou dito num texto de Eléctrico, 1956 ), sem ser no quadro das transformações da linguagem poética operadas pelo Modernismo. O poeta fazia, de resto, questão, numa passagem de Imitação dos Dias, de 1966, de se afirmar «sem saudades de qualquer passado», em sintonia perfeita com o seu tempo, na diversidade de correntes que, dentro das várias artes, se orientariam mais para uma concepção alargada do Modernismo, hoje por muitos aceite, que o não restringisse às tendências inovadoras das primeiras décadas de Novecentos: «Coincido integralmente com a minha época de neo-realistas, de surrealistas, de abstractos, de neo-figurativos, de concretistas, de dodecafónicos, de pesquisadores de timbres, de Maiakovski, de Kafka, de Prokofiev, de Malraux, de Cholokov, de Sartre, de Aragon, de Drummond de Andrade – e aqui proclamo a glória de ter nascido na Idade de Aquilino, Afonso Duarte, Vieira da Silva e Lopes Graça, sem saudades de qualquer passado.» Um outro aspecto aproxima José Gomes Ferreira dos «presencistas», a centralidade do eu na sua obra, não apenas nos livros em verso, mas também nos livros em prosa, como já tem sido sublinhado ( cf. Paula Morão, “O poeta andante, um fingidor em prosa”, José Gomes Ferreira – Operário das Palavras, 2000, p. 23 ). O subtítulo escolhido para a edição da sua poesia, a partir da segunda metade dos anos 70, nos três volumes de Poeta Militante, “Viagem do Século Vinte em Mim”, remete também para a importância da experiência pessoal, para a subjectividade em que se fundamenta a sua resposta à História.

A abrir o 1º volume de Poeta Militante, vem uma nota onde pode ler-se o seguinte: «Poeta Militante é a viagem do século vinte em mim. Ou melhor: o testemunho poético [...] da aventura da sombra de um anti-herói que, perdido nos meandros dos caminhos exíguos do tempo, [...] atravessou em bicos dos pés os segundos, os minutos, as horas, as semanas, os anos de quase um século, mais preocupado com as coisas vulgares do quotidiano nos cafés, nas ruas, nas praias, no campo, do que com acontecimentos merecedores no futuro de longos tratados de estudo volumosos que me inspiraram muitas vezes apenas poema e meio./ [...]». O que há de «protesto», de apaixonada denúncia nestes poemas que se organizam, sob a forma de «diários em verso», em séries ou conjuntos, com datas desfasadas do momento de publicação, é o que, em larga medida, justifica a aproximação ao neo-realismo, para além da indefectível perseguição da «Revolução Impossível». Mas, como a nota de abertura de Poeta Militante sublinha, o espanto, o estremecimento lírico que o move ao canto, nasce mais da vulgaridade do quotidiano do que da excepcionalidade dos acontecimentos que moldam a História. É na indecisa fronteira entre o real e o irreal, como nos lembra um dos seus títulos mais emblemáticos, O Irreal Quotidiano, de 1971, que melhor se afirma, afinal, a aventura literária de José Gomes Ferreira, encarada na sua globalidade e sem o artifício da divisão de géneros.

 

Bibliografia Sumária

Activa

Poesia:
-
Poeta Militante I, 4ª ed., 1990; Poeta Militante II, 4ª ed., 1991; Poeta Militante III, 4ª ed., 1998.

Ficção:
-
O Mundo dos Outros: histórias e vagabundagens, 9ª ed., 2000.
-
Aventuras de João Sem Medo: panfleto mágico em forma de romance, 19ª ed., 1999.
- Tempo Escandinavo: contos, 2ª ed., 1976.

Memórias:
-
A Memória das Palavras ou o Gosto de Falar de Mim, 5ª ed., 1991.

Diário:
-
Dias Comuns I: Passos Efémeros, 1990; Dias Comuns II: A Idade do Malogro, 1998; Dias Comuns III: Ponte Inquieta, 2000.


Passiva

Alexandre Pinheiro Torres, Vida e Obra de José Gomes Ferreira, 1975.Vértice, nº 473-475, Julho-Dezembro de 1986 ( dedicado a J.G.F. ).

José Gomes Ferreira: Operário das Palavras, Catálogo da Exposição Comemorativa do Centenário do Nascimento ( concepção e organização de Raúl Hestnes Ferreira ), 2000.  Inclui bibliografia exaustiva.

Isabel Pires de Lima et al. ( coord. ), Viagem do Século XX em José Gomes Ferreira, 2002.

Adolfo Coelho
Alexandre Herculano
Almeida Garrett
Antero de Quental
António Nobre
Basílio Teles
Eça de Queirós
Gomes Leal
Jaime Batalha Reis
Lopes de Mendonça
Moniz Barreto
Oliveira Martins
Pinheiro Chagas
Rafael Bordalo Pinheiro
Rebello da Silva
Teófilo Braga
Abel Salazar
Adérito Sedas Nunes
Adolfo Casais Monteiro
Agostinho da Silva
Alexandre O'Neill
António Gedeão
Aquilino Ribeiro
Augusto Abelaira
Bento de Jesus Caraça
Bernardo Marques
Borges de Macedo
Carlos Ramos
David Mourão-Ferreira
Eugénio de Andrade
Fernando Gil
Fernando Lopes-Graça
Fernando Pessoa
Fidelino de Figueiredo
Florbela Espanca
Guilhermina Suggia
Helena Vaz da Silva
Hernâni Cidade
Irene Lisboa
Jacinto do Prado Coelho
Jaime Cortesão
João Gaspar Simões
Joaquim de Carvalho
Jorge de Sena
Jorge Peixinho
José Augusto Seabra
José Cardoso Pires
José Gomes Ferreira
José Rodrigues Miguéis
Leonardo Coimbra
Lindley Cintra
Luís Albuquerque
Luís de Freitas Branco
Manuel Antunes
Manuel Viegas Guerreiro
Maria Archer
Maria de Lourdes Belchior
Maria Lamas
Mário Botas
Mário Eloy
Mário Sottomayor Cardia
Miguel Torga
Orlando Ribeiro
Paulo Quintela
Raul Brandão
Raul Proença
Sílvio Lima
Sophia de Mello Breyner Andresen
Teixeira de Pascoaes
Vergílio Ferreira
Viana da Mota
Vieira da Silva
Vieira de Almeida
Vitorino Magalhães Godinho

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