Adolfo Coelho
Alexandre Herculano
Almeida Garrett
Antero de Quental
António Nobre
Basílio Teles
Eça de Queirós
Gomes Leal
Jaime Batalha Reis
Lopes de Mendonça
Moniz Barreto
Oliveira Martins
Pinheiro Chagas
Rafael Bordalo Pinheiro
Rebello da Silva
Teófilo Braga
Abel Salazar
Adérito Sedas Nunes
Adolfo Casais Monteiro
Agostinho da Silva
Alexandre O'Neill
António Gedeão
Aquilino Ribeiro
Augusto Abelaira
Bento de Jesus Caraça
Bernardo Marques
Borges de Macedo
Carlos Ramos
David Mourão-Ferreira
Eugénio de Andrade
Fernando Gil
Fernando Lopes-Graça
Fernando Pessoa
Fidelino de Figueiredo
Florbela Espanca
Guilhermina Suggia
Helena Vaz da Silva
Hernâni Cidade
Irene Lisboa
Jacinto do Prado Coelho
Jaime Cortesão
João Gaspar Simões
Joaquim de Carvalho
Jorge de Sena
Jorge Peixinho
José Augusto Seabra
José Cardoso Pires
José Gomes Ferreira
José Rodrigues Miguéis
Leonardo Coimbra
Lindley Cintra
Luís Albuquerque
Luís de Freitas Branco
Manuel Antunes
Manuel Viegas Guerreiro
Maria Archer
Maria de Lourdes Belchior
Maria Lamas
Mário Botas
Mário Eloy
Mário Sottomayor Cardia
Miguel Torga
Orlando Ribeiro
Paulo Quintela
Raul Brandão
Raul Proença
Sílvio Lima
Sophia de Mello Breyner Andresen
Teixeira de Pascoaes
Vergílio Ferreira
Viana da Mota
Vieira da Silva
Vieira de Almeida
Vitorino Magalhães Godinho

por Carlos Leone

Alexandre O'Neill

Filólogo de formação mas mais conhecido como filósofo, Agostinho da Silva nasceu no Porto em 1906 e faleceu em Lisboa em 1994. A sua vida e Obra são um dos casos mais interessantes da cultura portuguesa contemporânea, ao sintetizarem simultaneamente aspectos contraditórios da cultura portuguesa e interagirem de forma original com os contextos históricos variados que conheceu. Estes podem ser agrupados em três, para melhor apresentar de forma breve o pensamento do autor: o contexto de formação, o contexto de maturidade e o contexto de celebridade mediática.

1. Por contexto de formação referimo-nos ao período anterior à sua partida para o Brasil (em 1944). Não corresponde portanto a um simples período de juventude, antes à sua maturação intelectual e gradual afastamento da ordem política do Estado Novo que começara a vigorar já na idade adulta de Agostinho da Silva. Apesar de professor em vários liceus, a sua desafecção ao regime era manifesta e, não tendo sido suficiente para o forçar ao exílio, foi no entanto ela que tornou o abandono de Portugal apetecível. Como muitos outros da sua geração, partiu para o Brasil, mas não em busca de liberdades modernas, antes concretizou aí um conjunto de ideais relativos à sua visão de Portugal e da sua História que começara já a elaborar em Portugal (apesar de os seus livros escritos ainda em Portugal não o revelarem, cf. Considerações, de 1944, Diário de Alcestes e Sete Cartas a um Jovem Filósofo, de 1945). A sua formação científica e cultural, conhecedor dos meios literários nacionais (chegou a conhecer Fernando Pessoa em Lisboa), bem como a sua integração em círculos em que a doutrina saudosista de Teixeira de Pascoais era bem-acolhida, fizeram-no estar em contacto cultural e político com muitos aspectos da vida portuguesa da I República muitas vezes opostos, pelo que não surpreende que o clima de controlo e regulação social mais estrita das primeiras décadas do salazarismo lhe fossem particularmente desagradáveis. Em termos intelectuais, o conflito institucional com o regime, enquanto professor, força-o a iniciar uma carreira de publicista que anuncia de forma apenas muito vaga algumas das suas preocupações futuras (o início da sua colaboração com a Seara Nova data de 1928).

Por tudo isto, o seu período de formação não revela já as ideias que irão marcar a sua maturidade como autor e, posteriormente, a sua celebridade mediática, mas é um elemento essencial a ter em conta para perceber o porquê das posições teóricas e pessoais que irá assumir até morrer, boa parte delas bem distintas da maioria dos intelectuais que o salazarismo afastou de Portugal.

2. Uma vez no Brasil, que percorre desde as maiores cidades às mais remotas povoações na selva, empenhado permanentemente em projectos pedagógicos (a par de Eudoro de Sousa, fui fundador de várias universidades que, em início de actividade, precisavam de catedráticos para os seus quadros, recorrendo aos seus serviços, pois estava sempre pronto a começar de novo), Agostinho da Silva desenvolve cada vez mais uma componente filosófica do seu pensamento, que parte da mitologia clássica que conhece pela sua formação académica e se prolonga pelo pensamento mítico em geral. Assim, na década de 1950 integra o chamado Grupo de São Paulo (cf., na Bibliografia, Marcondes César), fundado por Miguel Reale (filósofo brasileiro, não confundir com o português Miguel Real, autor de um título muito útil para o leitor, cf., na Bibliografia, Real) e ao qual pertenciam também o já referido Eudoro de Sousa e o casal Dora e Vicente Ferreira da Silva. E, sintomaticamente, logo em 1957 e 1959, surgem as grandes formulações da sua doutrina providencialista de Portugal (da sua História e do seu povo), em dois livros aparentemente dedicados a matérias literárias: Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa e Um Fernando Pessoa. Como o estudo sobre ‘um’ (note-se, não pretendia reduzir o complexo Pessoa àquele que ali era apresentado) Pessoa pretende encontrar na especulação desenvolvida por este sobre o V Império a confirmação do pensamento do próprio Agostinho da Silva sobre o “Império do Espírito Santo”, temos aqui um caso claro de como a variedade de experiências de formação de Agostinho se plasmou na sua obra de maturidade. Em rigor, há que ter em conta uma outra influência, a da visão da história de Portugal do genro de Agostinho, Jaime Cortesão, fortemente marcada por uma idealização da monarquia medieval e da expansão marítima do início da idade moderna que não resistiu aos avanços da historiografia e das ciências sociais portuguesas da segunda metade do século XX (por Orlando Ribeiro, Vitorino Magalhães Godinho, e vários outros, sobre isto cf. na Bibliografia Leone, espec. Parte II).

Ao encontrar na vida rural brasileira uma materialização dessa imagem idealizada das relações sociais de um Portugal medieval irremediavelmente perdido, Agostinho da Silva concebe a tese de uma missão universal portuguesa, a de realizar e dar a conhecer uma nova forma de vida para toda a humanidade, de que a expansão marítima fora apenas o começo, interrompido por uma adesão (aliás mal sucedida) às tendências politicamente centralizantes e cientificamente racionalizantes da Europa moderna. O termo “missão” carrega um determinismo com que o próprio autor não se sentia confortável, mas que de certo modo era inescapável, pois toda a linguagem com que Agostinho da Silva descreve esse Portugal tardo-medieval, no início da expansão marítima, é marcadamente moral, ela veicula um sentido para a acção histórica, sentido esse que, naturalmente, carece de uma conclusão ainda por se consumar. Quer em Reflexão, quer depois em textos recolhidos sob o título Dispersos ou ainda no belo, até tocante, título Ir à Índia sem sair de Portugal, essa imagem da História de Portugal compõe-se de momentos de crise, o primeiro negativo (cisão de Portugal face à Galiza, por acção de D. Afonso Henriques), os seguintes positivos: expansão para sul, concretizando o ideal Templário cristão e integrando o Portugal ‘verdadeiro’ na senda de São Bernardo de Claraval, seguido da introdução em Portugal do culto do Espírito Santo pelos franciscanos (traço de clara ligação a Cortesão e que terá consequências na sua visão do futuro de Portugal, como veremos) e, por fim, a organização de um reino típico da I Dinastia, descentralizado, retomando os traços essenciais do que Cortesão havia exposto desde a década de 1930. Ora, estas sucessivas crises (momentos de viragem) soçobram perante o emergir da modernidade (fim da primeira Dinastia), com a centralização política, a mercantilização da exploração marítima, enfim, com a sistematização própria da modernidade que retira a faceta amorosa (é o termo) que a expansão inicial de Portugal comportava e a encerra numa forma que não é sua, ao ponto de, em 1580, perder a sua independência. Mas como Agostinho da Silva diz algures, Alcácer-Quibir foi a sorte do Brasil, e, como não se cansou de repetir, o Brasil é o melhor de Portugal (menos conhecido do que o célebre “o brasileiro é o português à solta”). Nesse Brasil intocado pela modernidade que foi encontrar em pleno século XX na selva amazónica, Agostinho da Silva entendeu reencontrar o Portugal primevo e valioso, aquele que, depois de ensinar ao mundo que todo o mundo é apenas um arquipélago, poderia agora, enfim, ensinar uma unidade espiritual bem diferente da segmentação da vida e da separação das esferas da cultura próprias da modernidade.

É esta ideia de resistência à modernidade, ao vê-la como corruptora da pureza original do cristianismo (o lamentar o fim da Idade Média em pleno século XX) que afasta o pedagogo Agostinho da Silva da corrente iluminista dominante sobre pedagogia, ao ponto de ver na escola um problema e não uma solução, pois a escola actual ensina a trabalhar, quando a vida verdadeira será ocupação, sim, mas não trabalho como até aqui, cabendo esse cada vez mais a máquinas (fez um bom resumo da tese em 1970, A Educação de Portugal, publicado apenas em 1989). Nesta ingenuidade sobre a transição dos modos de produção encontramos de novo o determinismo, aqui não histórico mas sociológico e económico; mas sempre messiânico. Isto porque o ensinamento a extrair do Brasil por Portugal, para o mundo, a saber, o advento da Idade do Espírito Santo, surge como uma superação das formas de organização social moderna (capitalismo, liberalismo, socialismo, comunismo) e na identificação com uma ética católica não-clerical (o franciscanismo de Jaime Cortesão), espécie de regresso ao passado para alcançar o futuro (saudades do futuro, à boa maneira saudosista). Nesta nova era, feita à imagem do culto popular do Espírito Santo, as características atribuídas ao espírito da criança são dominantes, daí o papel predestinado de Portugal, visto como consagrado àquele culto; essas características são bem opostas à visão científica da criança, são de tipo religioso-místico: a criança como ser puro, em contacto com o inconsciente, livre e dada ao simbolismo espontâneo, isto é, uma criança ao inverso da modernidade europeia sem por isso ser reaccionária. Apetece dizer, uma criança como o menino Jesus que fugiu do Céu no Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro.

3. Estes pormenores não importaram muito para a celebridade mediática de Agostinho da Silva, na passagem da década de 1980 para a de 1990, promovida pela comunicação social e sobretudo pela TV (o programa de entrevistas Conversas Vadias está já reeditado em DVD). À época, essa celebridade foi apenas uma expressão da consciência dúplice de Portugal, bem contrária à imagem idealizada que Agostinho da Silva mantinha, a de um povo que, gozando da integração europeia, recuperava naquele discurso benévolo e imaginativo, um sentido de singularidade que sentia não poder ter. Como de costume, a unanimidade foi quase instantânea e desapareceu por completo pouco depois (nota dissonante foi Manuel Maria Carrilho, sempre crítico). Foi um equívoco, mas não sem fecundidade, como a actual celebração do centenário do nascimento do autor (iniciada em 2004, com a sua evocação no décimo aniversário da sua morte) revela, ao originar uma reedição sistemática da sua Obra e numerosos estudos de valor, ainda não disponíveis para incluir na bibliografia que referimos mas que o leitor pode procurar em breve, graças ao trabalho da Associação Agostinho da Silva (neste momento, merece nota o volume da série O Essencial sobre, da Imprensa Nacional, cf. na Bibliografia, Valente Pinho). E público parece não faltar, como que para manter vivas as esperanças proféticas.



Bibliografia (secundária)

Leone, Carlos, Portugal Extemporâneo, INCM, Lisboa, 2005 (vol. 2). Marcondes César, Constança, O Grupo de São Paulo, INCM, Lisboa, 2000.

Real. Miguel, Portugal – Ser e Representação, Difel, Algés, 1998.

Valente Pinho, Romana, O Essencial sobre Agostinho da Silva, INCM, Lisboa, 2006.


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