Passa por mim no Rossio
(Teatro Nacional D. Maria II, 16-05-1991)
Sobre roteiro escrito por Filipe La Féria – com apoio dramatúrgico de Vítor Pavão dos Santos –, este espetáculo pretendia mostrar uma retrospetiva da história da revista à portuguesa desde 1851 até ao 25 de Abril de 1974.
Capa do Programa do espetáculo Passa por mim no Rossio, 1991 [TNDMII] |
A encenação e a cenografia estiveram a cargo de Filipe La Féria – que na altura dirigia a Casa da Comédia – e o espetáculo estruturava-se em dois atos e quarenta e um quadros. Com cerca de três horas e meia de duração, estreou a 16 de maio de 1991 na sala Garrett, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, e ali permaneceu por mais de um ano. Seguiu depois em digressão pelo Funchal e inaugurou o então renovado espaço do Teatro Nacional S. João, no Porto, onde ficou até meados de 1993. Com música de João Paulo Soares, figurinos de Jasmim de Matos e coreografia de Victor Linhares, este espetáculo juntou no palco do Rossio atores consagrados como Eunice Muñoz, Ruy de Carvalho, Varela Silva, Catarina Avelar, João Perry, Fernanda Borsatti, Curado Ribeiro, Lurdes Norberto e Irene Isidro, num total de meia centena de artistas. Encarado com alguma desconfiança quer por espetadores que defenderiam um outro tipo de repertório para um Teatro Nacional, quer por empresários do Parque Mayer que viam nesta produção – apoiada pelo Estado – uma concorrência desleal, o espetáculo tornou-se um êxito junto do público que esgotou a lotação do Nacional durante vários meses consecutivos.
Declarando responder a uma sugestão de Teresa Patrício Gouveia, então - em 1989 - Secretária de Estado da Cultura, para ocupar o palco do Teatro Nacional, Filipe La Féria projetou um espetáculo com base numa breve antologia da história do teatro de revista desde 1851 – quando surgiu a primeira revista do ano – até ao dia 25 de Abril de 1974. O título para a peça foi retirado de um verso do poema Recado a Lisboa, de João Villaret, um dos homenageados no espetáculo.
Ensaiado no palco do Teatro Tivoli, o espetáculo do Nacional iniciava-se com um convite, em jeito musical, de Simone de Oliveira ao público. De seguida, três atrizes do elenco fixo surgiam personificando o Teatro Nacional (Catarina Avelar), o Teatro Independente (São José Lapa) e o Teatro Comercial (Henriqueta Maya) envolvendo-se numa discussão sobre qual dos teatros seria mais merecedor de subsídios e da atenção do público. O compère do espetáculo era o encenador “La Fúria” – óbvio alter-ego do criador deste espetáculo – que, através da máquina do tempo trazida a palco pela figura de Almeida Garrett (Ruy de Carvalho), conduzia a plateia pela história do teatro e fazia a ligação entre os quadros. Começava esta incursão pelo século XIX através de cenários do passeio público de Lisboa e os seus frequentadores mais ilustres, como Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Com gigantones e objectos em plástico, que passavam de mão em mão pelo público, fazia-se a homenagem a Bordalo Pinheiro e às suas figuras populares, enquanto a “monarquia” assistia de camarote a este desfile. Com o advento do 5 de Outubro de 1910 surgiam em palco os monárquicos, apelidados de “talassas”, que forçosamente tiveram de se adaptar ao novo regime republicano. O ano de 1913 trouxe à revista o nome de Maria Vitória, aqui recriado por Rita Ribeiro, num quadro que se tornou paradigmático desta encenação, tal como o quadro “Bons tempos do novo mundo” onde Eunice Muñoz interpretava Estêvão Amarante e o “Fado do Ganga” da revista Novo Mundo de 1916. Amélia Rey-Colaço também não foi esquecida e teve em Lurdes Norberto uma via para chegar de novo ao público do Nacional. O fim do primeiro ato era marcado pela presença em cena de Irene Isidro, já de idade avançada.
Mas este espetáculo não se fez só de homenagem a atores, figurinistas e cenógrafos (estes últimos referenciados através de cenários que deslizavam sobre o palco). Foram também celebrados lugares míticos da cidade de Lisboa, como o cabaret Maxime, o Parque Mayer e o Teatro Monumental como “memória de uma geografia teatral desaparecida” (VASQUES 1991). O segundo ato introduzia os anos trinta do século XX com a “saloia” Beatriz Costa (Henriqueta Maya) e os irmãos Ribeiro (Igor Sampaio e Manuel Coelho) numa homenagem ao cinema português, convocando também a figura de Vasco Santana, por João de Carvalho. Parte da ideologia do regime de Salazar foi aqui evocada no quadro “Lirismo rural” que exaltava a simplicidade da vida no campo. Entre os artistas deste período, foram retratados Mirita Casimiro (Maria Amélia Matta e, posteriormente, Isabel Ribas), Hermínia Silva (São José Lapa) e Laura Alves (Rita Ribeiro), num dos quadros mais célebres desta revista. Amália Rodrigues – à época ainda viva – foi também alvo de homenagem pelo encenador, uma vez que a diva do fado fez incursões pelo teatro de revista nos anos 40. Eunice Muñoz encerrava o espetáculo com uma homenagem a Ivone Silva (que a 24 de Abril de 1974 comemorara mais um aniversário) e aos atores que tinham passado provações nas malhas da censura e que naturalmente festejavam o 25 de Abril.
Para o papel do protagonista – o encenador “La Fúria” – esteve nomeado inicialmente o ator António Cruz (que já havia trabalhado com La Féria na Casa da Comédia), mas acabou por ser José Jorge Duarte a assumir o papel. Esteve como compère até meados de 1991, tendo sido posteriormente substituído por Carlos Quintas, na primeira reposição do espetáculo, a 10 de setembro do mesmo ano. O texto também acabou por sofrer alterações para melhor se adaptar à situação política e social que se ia viviendo. Na digressão pela ilha da Madeira foram mesmo incluídos alguns quadros referentes a Alberto João Jardim.
Apelidado pela crítica de “fenómeno sociológico sem precedentes”, contou com um forte apoio do mecenato e de subsídios estatais. Este espetáculo, o mais caro até então no palco da casa de Garrett, viu a sua estreia adiada inúmeras vezes por contingências burocráticas, inclusivamente na Secretaria de Estado da Cultura. Passa por mim no Rossio foi inicialmente programado para estar dois meses em cena, no entanto, contou com várias reposições – e algumas alterações no elenco – devido ao sucesso junto do público que por vários meses esgotou a lotação da principal sala do Teatro Nacional D. Maria II – tendo o espetáculo nos primeiros dois meses atingido uma receita de cerca de quarenta mil contos (duzentos mil euros). A temporada no Nacional durou até 25 de julho de 1992 e em cena estiveram cerca de meia centena de artistas, três dezenas de cenários, escadarias monumentais e seiscentas peças de figurinos (algumas doadas posteriormente ao Museu Nacional do Teatro).
Bibliografia
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Filmografia
Passa por mim no Rossio (1992), realização de Fernando Ávila, prod. TNDMII.
Consultar ficha de espetáculo na Cetbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espectaculo&ObjId=1480
Consultar imagens no OPSIS:
http://opsis.fl.ul.pt/
Andreia Brito Silva / Centro de Estudos de Teatro