Casa da Comédia
(Lisboa, 1946-1975)
A Casa da Comédia surgiu em 1946, pela mão de Fernando Amado, com a apresentação de um espetáculo no Teatro do Ginásio.
Grupo fundador, 1962 [Arquivo pessoal de João Osório de Castro]. |
Voltou a realizar outra apresentação no mesmo espaço no ano seguinte, tateando o movimento experimental da época e os princípios estéticos que mais tarde formariam a sua identidade.
Adormecida durante quase vinte anos, a ideia da Casa da Comédia foi recuperada em 1962, desta vez com um espaço próprio e uma proposta estética mais definida, assente na modernidade das novas dramaturgias, e passando posteriormente pelo teatro do absurdo, o teatro político e o teatro épico, acompanhando as mudanças dos tempos e das vontades dos diferentes colaboradores e deixando uma marca profunda na geração teatral que ajudou a moldar, até ao seu término em 1975.
A Casa da Comédia teve origem na secção de teatro do Centro Nacional de Cultura e traduziu-se em duas apresentações públicas no Teatro do Ginásio: a 16 de junho de 1946 (o capricho teatral de Fernando Amado, A caixa de Pandora) e em maio de 1947 (a reposição de A caixa de Pandora, precedida dos “debuchos teatrais” O meu amigo Barroso, Música na igreja e O ladrão, bem como do sainete Novo mundo). Este grupo partilhou algumas afinidades estéticas com o movimento de teatro experimental que, no Portugal do pós-Segunda Guerra Mundial, se caracterizava por uma ânsia de renovação e atualização. A Casa da Comédia, depois destas duas apresentações, acabou por desaparecer. Reapareceu cerca de vinte anos depois, animada pelo mesmo diretor e por João Osório de Castro, com a mesma designação, mas desta feita como um grupo de teatro com um espaço próprio e com um núcleo de atores (amadores) relativamente estável.
A Casa da Comédia enquanto grupo de teatro com sede própria foi fundada em 1962, mas as suas portas só se abriram em julho de 1963. Entre estas duas datas foram realizadas as obras que transformaram uma antiga carvoaria numa sala de teatro, na Rua S. Francisco de Borja, nº 24, às Janelas Verdes, em Lisboa. Muitos dos que então se reuniram em torno de Fernando Amado viriam a ser figuras proeminentes do teatro contemporâneo em Portugal, tais como Fernanda Lapa, Manuela de Freitas, Maria do Céu Guerra, Santos Manuel, Glória de Matos, entre muitos outros. Para a inauguração do novo espaço foram escolhidos Verbo escuro e Regresso ao paraíso, de Teixeira de Pascoais, estreados a 19 de julho de 1963. Fernando Amado dirigiu o grupo até 1965, tendo particular interesse por textos de dimensão poética, por Gil Vicente e por peças representantes de uma moderna dramaturgia, tais como Deseja-se mulher, de Almada Negreiros.
A partir de 1965 e até 1975, sem a figura tutelar de Fernando Amado por perto, muitos foram os que se afastaram do grupo. As encenações deixaram de ter a (quase) exclusividade de uma só mão, passando a envolver outros elementos. Destacaram-se dois nomes, quer pelo número de encenações que realizaram com o grupo, quer pela projeção que vão alcançando no panorama teatral português: Norberto Barroca e Jorge Listopad. Contudo, muitos outros aí encontraram o espaço necessário à experimentação, fazendo da Casa da Comédia um dos espaços mais interessantes da capital: Filipe Ferrer, Maria Barreto Leite, Francisco Esteves, Serge Farkas, Francisco Relógio, Filipe La Féria, Tone Brulin, Artur Ramos, Vitor Poitout, João Osório de Castro, Marta Ribeiro, Jorge Vale, Herlânder Peyroteo, Fernanda Lapa, Carmen Gonzalez, João Lourenço e Morais e Castro.
O teatro do absurdo ou de pendor surrealizante encontrou na Casa da Comédia um palco dileto, mas, após o 25 de abril de 1974, e um pouco à semelhança do resto do panorama teatral português, rumou-se em direção a um teatro de natureza mais política. Em julho de 1974, Norberto Barroca regressou para encenar Um barco para Ítaca e outros poemas de Manuel Alegre, aliando poesia e música nesse projeto teatral. Com As espingardas da Mãe Carrar de Bertolt Brecht (janeiro de 1975), a mudança de rumo foi clara: o teatro épico, o teatro político, finalmente livre, chegava também à Casa da Comédia, com encenação de João Lourenço.
A 18 de junho de 1975, constituiu-se em sociedade artística o Grupo de Trabalhadores da Casa da Comédia, com o objetivo de trabalhar para um público mais vasto e menos favorecido, usando preferencialmente textos portugueses, já teatralizados ou coligidos pelo grupo, e dando atenção ao contexto socio-político. Acabaram por deixar cair o distintivo “Grupo de Trabalhadores” em 1981, recuperando o nome e até o logótipo inicial Casa da Comédia, acabando por dar longevidade e continuidade ao nome.
A Casa da Comédia enquanto grupo – o grupo experimental no contexto da ditadura, que marcou uma época e definiu uma geração teatral – encerrou-se em 1975, dando lugar a outras pessoas e outras estéticas. Contudo, a Casa da Comédia, uma carvoaria feita teatro de bolso, um espaço para a prática do teatro que a ideia de Fernando Amado e a paciente dedicação de muitos outros ofereceram à cidade, essa, iria continuar ainda que noutras modalidades e com diferentes protagonistas.
Bibliografia
COELHO, Rui Pina (2006). «A Casa da Comédia (1946-1975): De Fernando Amado a Bertolt Brecht» in Sinais de Cena, nº 6. Lisboa: APCT/CET. pp.121-128.
___ (2009). Casa da Comédia (1946-1975): Um palco para uma ideia de teatro. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda.
REBELLO, Luiz Francisco (2000). Breve história do teatro português, 5ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América.
Consultar a ficha de instituição na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Instituicao&ObjId=6195
Consultar imagens no OPSIS:
Rui Pina Coelho/Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro