Espaços

Teatro da Rua dos Condes

(Rua dos Condes, Lisboa, Portugal: 1738-1755 | 1756 (1770)-1882 | 1883-1888)

Perto do lugar que é hoje o início da Avenida da Liberdade, no seu lado nascente (não longe do espaço onde desde 2003 está o Hard Rock Café), ergueu-se em 1738 um “Teatro Novo”, edifício construído nos terrenos dos Condes da Ericeira, “no canto sudoeste das dependências do Palácio” (CARNEIRO 2002: 115), mas que o terramoto de Lisboa (1755) destruiu completamente.

  Teatro da Rua dos Condes
  Teatro da Rua dos Condes, s.d., aut. Manuel de Macedo [O Occidente, 01-07-1882].

Nesse lugar (ou não longe dele) foi construído ainda no séc. XVIII (entre 1756 e 1770, segundo Luís Soares Carneiro) o Teatro da Rua dos Condes que foi, inicialmente, palco para espetáculos operáticos, dedicando-se, a partir de 1800, apenas ao teatro declamado. Por ele passaram várias companhias italianas – entre as quais se destaca a de Ana Zamperini – e uma companhia francesa da qual fazia parte Émile Doux, encenador que se tornaria figura marcante do teatro português oitocentista. Até 1846 – ano de abertura do Teatro Nacional D. Maria II, no Rossio, – o Condes destacava-se no panorama teatral português, competindo com o Teatro do Salitre pelo título de “Teatro Nacional” (e pelos respetivos subsídios estatais). Após esta data e até à sua demolição em 1882, por razões de segurança, o Condes entrou numa fase de declínio motivada não apenas pelas precárias condições do edifício e incomodidade da sala, mas também pela escolha de um repertório constituído principalmente por mágicas, oratórias e comédias de costumes.

O primitivo Teatro Novo da Rua dos Condes, destruído pelo terramoto de 1755, foi edificado, segundo um artigo do Diário de Janeiro, de 4 de fevereiro de 1738, por iniciativa de um grupo de negociantes que requisitaram ao Conde da Ericeira uma porção do seu terreno, constituída por “[…] parte de hum picadeiro e do canto da rua para um Theatro de Ópera com 270 palmos de comprido e 110 por largo” (CARNEIRO 2002: 116). 

Luís Soares Carneiro apresenta os anos entre 1756 e 1770 como possíveis datas para a construção daquele que viria a ser o “velho pardieiro” da Rua dos Condes. Contudo, Francisco Benevides (1883: 443) refere a existência de um libretto que comprova a representação de um espetáculo no Condes em 1760, parecendo excluir a hipótese de ser mais tardia a sua construção. A autoria do projeto deste edifício, diz-nos Cyrillo Wolkmar Machado (ibidem: 118), ficou a cargo do arquiteto, cenógrafo e maquinista Petrónio Mazzoni. O edifício sofreu algumas remodelações: uma por volta de 1803 e outra levada a cabo após um período de encerramento, tendo o Condes regressado à atividade em 1852, com a Empresa José Vicente (SOUSA BASTOS 1898: 674).

É através da gravura publicada no nº 127 da revista O Occidente (1882: 149) que nos chega a representação mais detalhada do que foi este edifício, que “possuía 23 camarotes em cada ordem, dos quais cinco ao fundo e nove de cada lado” (MOREAU 1981: 195) e que “se desenvolvia em dois corpos paralelos e independentes, embora adossados. O que se dá a conhecer é uma sala simples, comprida e estreita, traçado sem rigor, evidências descritas e confirmadas por vários autores” (ANASTÁCIO 2005: 100). Um desses autores é William Beckford, que o descreve como “baixo e estreito, o palco uma pequena galeria” (BECKFORD 1988: 100), e “bastante pobre” (ibidem: 147). Camilo Castelo Branco dá-nos, também, uma descrição negativa do espaço, ao transcrever uma carta de um amigo, num dos números de Noites de insónia (1929: 208), apresentando-o como um teatro extremamente desconfortável, em parte, pelas grandes variações de temperatura experienciadas em diferentes locais da sala – “No meio da plateia arde em fogo […] o desgraçado espectador que acha ali lugar; pelos lados da mesma plateia vem um vento encanado pelos corredores, que atormenta todo o miserável que ocupa esses assentos” (ibidem). Os camarotes são apresentados como sendo “mesquinhos como tudo o mais” (ibidem), uma vez que o Teatro não tinha foyer, pelo que “cada um fica exposto à porta da rua ou no aperto dos corredores, até que chegue a carruagem que o há-de transportar” (ibidem).  

Num documento da Intendência Geral da Polícia, de 30 de setembro de 1792, é feita uma descrição do Condes – a mais favorável que se encontra (mas reporta-se a um tempo anterior, mais perto da sua reconstrução) – em jeito de explicação para a preferência da Intendência da Polícia por este teatro, em detrimento do Teatro do Salitre. O velho Condes é aqui apresentado, primeiro, como Teatro Nacional e de seguida como uma sala com as condições necessárias ao bom funcionamento do espetáculo teatral. A Intendência salienta como aspetos positivos a sua localização, as suas dimensões convenientes, o facto de possuir “todas as comodidades precisas” para a apresentação de espetáculos, a largura “dos corredores que dão serventia aos camarotes”, a existência de diversas saídas para o exterior – essenciais na eventualidade de uma emergência –, bem como a presença de um estabelecimento digno para a venda de refrescos. O Condes foi, deste modo, caracterizado de uma forma que contradiz a grande maioria das descrições da sala, em que é comummente apresentado como um edifício velho e sem grandes condições. Recordam-se, a propósito, as palavras de Almeida Lopes que o descreve, já nos últimos anos de utilização, como um “miserável barracão, mesquinho e arruinado, armado num esqueleto de vigas podres, revestido de lonas pintadas e papéis dourados, já ultrapassado pelas necessidades de higiene e de conforto da época” (LOPES 1968: 89). Contudo, não deixa de lhe reconhecer importância enquanto sala de espetáculos com lugar de destaque na história do teatro português. Ali se estrearam grandes nomes como João Anastácio Rosa ou Emília das Neves, mas também vários originais portugueses, entre os quais se salienta o drama histórico de Garrett, Um auto de Gil Vicente, a 15 de agosto de 1838. Este espetáculo, inserido num programa de renovação do teatro português, foi de uma importância extrema, uma vez que suscitou, nas temporadas seguintes, uma mudança de reportório dos teatros públicos, revitalizando a produção dramática nacional.

Nas primeiras décadas da sua atividade, o velho Condes foi um espaço dedicado ao teatro lírico, por onde passaram várias companhias italianas, entre as quais destacamos a companhia da famosa Ana Zamperini, que explorou o espaço entre 1770 e 1774. Há, também, registos de espetáculos de bonifrates representados em alternância com os espetáculos das companhias italianas. Em 1800, esta sala passou a oferecer apenas espetáculos de teatro declamado, albergando várias companhias, entre as quais se salienta a companhia francesa de que fazia parte Émile Doux. Em fevereiro 1812, por uma questão de viabilidade económica, aliaram-se as direções do Teatro de S. Carlos e do Teatro da Rua dos Condes, dando início a uma exploração conjunta destes dois espaços, ficando o primeiro como espaço dedicado exclusivamente ao teatro lírico e o Condes reservado ao teatro declamado. Esta sociedade durou apenas até julho de 1818, uma vez que o S. Carlos “dera grandes prejuízos” (LOPES 1968: 94), e o então empresário do Condes, António José de Paula, requereu a desanexação do mesmo. 

 A partir de 1835, o Condes foi explorado por uma companhia francesa, “conhecida pela companhia de Mr. Paul e Madame Charton” (SOUSA BASTOS 1898: 673), cujo espetáculo de estreia ocorreu a 4 de janeiro de 1835, com um novo sistema de iluminação, uma vez que foram “substituídas as placas com velas, colocadas entre os camarotes, por um lustre de candeeiros de azeite que iluminava perfeitamente” (VASCONCELOS 2003: 26). Esta companhia representou, em francês, até 1837, alternando a utilização do espaço com uma companhia portuguesa. Após a partida da companhia, cujos espetáculos haviam atraído um público culto, um dos seus membros, Émile Doux, decidiu permanecer no Condes, como empresário e ensaiador da companhia portuguesa, acumulando estas funções até 1840, ano em que a gerência passou para as mãos do Conde de Farrobo, que, todavia, o manteve como ensaiador e responsável pelo corpo de atores. Contrastando com a gerência de Doux, frequentemente caracterizada como bastante próspera e de elevada qualidade, a gerência de três anos de Farrobo é recordada de forma negativa, tanto pela escolha duvidosa de repertório, como pelas extravagâncias financeiras no pagamento aos artistas e montagem dos espetáculos (VASCONCELOS 2003: 27).

À ruinosa gerência do Conde de Farrobo seguiu-se, a partir de 1844, uma sociedade de artistas liderada por Silva [Pereira], [Crispiniano Pantaleão da Cunha] Sargedas e [João dos Santos] Matta, tendo por diretor de cena Epifânio. Esta sociedade manteve-se à frente do Condes até 1846, ano em que uma parte significativa dos atores abandonou o velho teatro para integrar o elenco do novo Teatro Nacional D. Maria II. A abertura deste teatro no Rossio acabou com as disputas entre o Condes e o Salitre pelo título de “nacional”, mas marcou também o declínio do Condes, não apenas pela debilitação do seu elenco e pelas já degradadas condições do edifício, mas também, e não desligado destes dois factos, pela escolha de repertório, reduzido quase exclusivamente a mágicas, oratórias e comédias de costumes populares representadas num ambiente mais informal. Tornou-se, assim, um “teatro que afastava o pacato burguês e assustava o peralvilho presumido, onde aos domingos se arriscava a levar com uma saraivada de tremoços se tivesse a audácia de lá por os pés” (LOPES 1968: 90). Aquele que outrora fora o primeiro teatro de Lisboa, ocasionalmente agraciado com a presença da família real, bem como considerado como “escola e fábrica de gerações de artistas” (LOPES 1968: 89), tornou-se, na segunda metade do séc. XIX, numa velha sala de reduzida importância onde a camada mais popular da cidade de Lisboa compunha uma plateia que “ultrapassava todos os limites da liberdade e da licença. Gente de pé descalço, […] soldados e arrieiros, ombreavam com vendedeiras e meretrizes” (ibidem: 90).

O Condes fechou definitivamente as suas portas a 20 de maio de 1882, após a última representação de Os sinos de Corneville, tendo sido demolido, ainda nesse ano, quando uma comissão reunida com o objetivo de averiguar as condições de segurança nos teatros da capital o decretou um perigo para o seu público. 

 No mesmo local – e enquanto por ali se rasgava a Avenida da Liberdade (1879-1886) – foi, de seguida, construído o Teatro-Chalet, que ocupou aquele espaço de 1883 a 1888, ano em que foi demolido para dar lugar ao Teatro Novo da Rua dos Condes, inaugurado a 23 de dezembro de 1888 – um projeto do arquiteto Dias da Silva.  

 

Bibliografia

ANASTÁCIO, Vanda et. al. (2005). O Teatro em Lisboa no tempo do Marquês de Pombal. Lisboa: IPM, Museu Nacional do Teatro.

Anon. (1875). Emília das Neves: documentos para a sua biographia. Lisboa: Livraria universal Silva Júnior.

AZEVEDO, Maximiliano de (1882). “O Theatro da Rua dos Condes” in O Occidente (nºs 127, 129, 131, 132, 133, 135, 136, 139, 148, 151, 154, 160, 162, 163, 167, 170, 172, 175, 177, 178, 180), dir. Francisco António das Mercês, Lisboa.

BECKFORD, William (1988). Diário de William Beckford em Portugal e Espanha. Tradução e prefácio de João Gaspar Simões, 3ª edição. Lisboa: Biblioteca Nacional.

BENEVIDES, Francisco da Fonseca (1883). O Real Theatro de S. Carlos de Lisboa. Lisboa: Typ. Irmãos Castro [edição fac-similada de 1993], p.443.

BRANCO, Camilo Castelo (1929). Noites de insomnia: offerecidas a quem não pode dormir (volumes terceiro e quarto). Porto: Lello & Irmão Editores. 

CARNEIRO, Luís Soares (2002). Teatros portugueses de raíz italiana, vol. I. Dissertação de Doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (texto policopiado).

CARRÈRE, Joseph Barthélemy François (1989). Panorama de Lisboa no ano de 1796. Pref. e notas de Castelo Branco Chaves, 1ª edição. Lisboa: Biblioteca Nacional.

DIAS, Marina Tavares (1990). Lisboa desaparecida, vol. II. Lisboa: Quimera Editores.

LOPES, Henrique de Almeida (1968). “Vida, morte e ressurreição do velho Teatro da Rua dos Condes”, separata da revista Ocidente – volume LXXV. Lisboa: Editorial Império Lda.

MACHADO, Júlio César (1999). A vida em Lisboa. Introdução, fixação de texto e notas de Américo A. Lindeza Diogo. Braga: Angelus Novus.

MOITA, Conceição de Irisalva (coord.) (1994). O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte.

MOREAU, Mário (1981). Cantores de ópera portugueses. Lisboa: Livraria Bertrand.

REBELLO, Luiz Francisco (1978). Dicionário do Teatro Português. Lisboa: Prelo.

RUDERS, Carl Israel (1981). Viagem em Portugal: 1798-1802. Tradução de António Feijó. Lisboa: Biblioteca Nacional.

SOUSA BASTOS, António de (1898). Carteira do Artista. Lisboa: Antiga Casa Bertrand.

___ (1908). Dicionário de teatro português [Uma edição fac-similada do original saiu em 1994 em Coimbra, pela Minerva]. Lisboa: Imprensa Libânio da Silva.

VASCONCELOS, Ana Isabel P. Teixeira de (2003). O Teatro em Lisboa no tempo de Almeida Garrett. Lisboa: IPM, Museu Nacional do Teatro.

 

Sitiografia

PINA MANIQUE, Diogo Inácio de (1792). Informação sobre o indeferimento de um pedido de licença de exercício de actividade por parte dos actores do Teatro do Salitre

[http://ww3.fl.ul.pt/cethtp/webinterface/documento.aspx?docId=12&sM=t&sV=pedido%20de%20licen%C3%A7a]

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=1172

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro