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José Rodrigues Miguéis
(1901-1980)
É o grande escritor português da emigração. Tendo vivido na Bélgica e nos Estados Unidos, dá-nos, numa imensa obra de magistral composição ficcional, romances centrados na sua aguda experiência de afastamento da pátria, em Léah e Outras Histórias, 1959, que não deixam de se ocupar de matéria nostalgicamente nossa (Saudades para Dona Genciana, 1956), em termos críticos jocosos ou intensamente reflexivos (A Escola do Paraíso, 1960) , e sempre numa escrita vernácula de articulação narrativa exemplar.
Ponho-me a olhar a Avenida cá de cima, da minha água-furtada e meu refúgio, e digo-lhe, seu Apolinário: tudo isto levou uma grande volta. Antigamente vivia-se aqui como num céu aberto. Nem faz ideia. Onde isso vai, parece que não, os dias passam devagar, mas os anos vão-se depressa. A gente só dá por isso quando já não há remédio.
Foi nos tempos da República, e eu, de calção, com os sapatos nas poças da chuva, travava os primeiros corpo a corpo com a gramática latina e com o verbo Amar. A Avenida era então novinha em folha, como o regime. Começava lá em baixo, num boqueirão sinistro, um rio de lama onde às vezes havia inundação e gritos, entre ribanceiras e prédios esguios, e ia-se perder ao alto, nas quintas e azinhagas.
Saudades para Dona Genciana
© Instituto Camões, 2001